Sertão é por os campos gerais a fora e a dentro,
eles dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucuia...
Lugar sertão se divulga: é onde os pastos
carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas,
sem topar com casa de morador...


Sertão é o sozinho(...)Sertão: é dentro da gente.



domingo, 22 de julho de 2012

Barro Branco

Um pequeno arraial distante poucos kilômetros do rancho do Nem. Estava escuro para eu ter uma idéia exata da direção que tomamos: creio que Barro Branco fica no caminho do povoado das Pedras, no sentido de quem volta para Três Marias. João Lúcio, que dirigia o carro, demonstrava absoluto conforto com as estradinhas da Barra do de-Janeiro.
Não passava das nove horas quando chegamos na casa do Wilson, cunhado do Nem: estava fechada e escura assim como todas as casas do povoado. Som nenhum se ouvia ali, somente o dos insetos noturnos; toda a vila de Barro Branco parecia dormir.  
Sem qualquer cerimônia, João Lúcio chama, bate palmas, até que Wilson surge, com o semblante de quem acabara de sair da cama. Eu e os outros, Maurício e Luís, ficamos constrangidos, quietos atrás de João Lúcio; mas este no entanto se comportava com tal familiaridade e desenvoltura que não nos deixou escolha a não ser cumprimentar Wilson sem qualquer pedido de desculpas pela inconveniência.
Anexa a sua casa, era a venda. João Lúcio pediu duas cervejas. Aceitei tomar um copo. Ficamos os cinco conversando, Wilson do lado de dentro do balcão. Felizmente, ele não parecia chateado com nosso importuno.

João Lúcio era quem falava: contava da família e dos cuidados com a mãe doente. Descrevia o modo como a tratava e o tipo de auxílio que prestava, enfatizando o carinho que tinha por ela. O assunto, amparado pelo frio da noite, o silêncio e a escuridão;  passou então dos seus relatos para uma reflexão sobre o amor, o afeto e a generosidade entre os homens. Naquele momento, parecíamos os últimos seres humanos sobre a terra: entre um pensamento e outro fiávamos o silêncio.
Eu estava extremamente cansada, e chateada com a história do gravador. Ouvia João Lúcio, Wilson, Maurício e Luís filosofando enquanto ensaiava os goles na cerveja. Queria ir embora, controlava o líquido dentro da garrafa a imaginar que quando esta acabasse, João Lúcio pegaria então seu saco de farinha e voltaríamos para o rancho. Mas que nada, ele ainda pediu uma terceira e uma quarta. O mais estranho era perceber que nenhum dos três afinal era verdadeiramente afeito a bebida; era nítido o embaraço, principalmente de Luís, em ter seu copo enchido mais uma vez. A noite era mesmo para nosso amigo de Contagem.




Pela primeira vez pensei na loucura em que tinha me metido. Em Barra do Rio de Janeiro as coisas começavam a se mostrar mais complicadas. Os lugares, mais selvagens; as situações, mais impensadas: eu, em um arraial distante do São Francisco, com um bando de homens que eu sequer conhecia, bebendo cerveja numa espécie de botequim improvisado no terraço de uma casa; no alto de uma noite preta cuja única luz refletira umas horas antes: a da lua – a mais linda que já vi: uma enorme bola laranja caída embaixo da silhueta de uma árvore misteriosa, no pasto rente ao céu.

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