Era o oitavo dia de viagem. Até ali, foram 479,8km pedalados (considerando que por dois dias não peguei a bicicleta, atingi esta marca em seis; uma média de 80km por dia) e alguns metros de rio em canoa.
Adriano foi quem me atravessou para o rancho do Nem. Lá, fui recebida por João Lúcio, um dos pescadores que estava acampado. Ele me levou até a cozinha improvisada e serviu-me o que havia sobrado do almoço: macarrão com carne de panela e arroz com jiló. Esquentou a comida no fogareiro e se ofereceu para fritar um ovo. – Disse-lhe que não carecia.
A casa do Nem era uma construção de alvenaria funcional: um terraço aberto, com uma mesa grande no centro, servia aos fins de sala de jantar e espaço de reunião. Ao lado, era a cozinha, e, nos fundos, separados por um corredor que terminava no banheiro, havia três quartos - sendo o primeiro o do casal. Todo o resto do rancho era um terreiro usado como área de camping. Havia ainda árvores frutíferas em torno; um banheiro, muito rústico, para uso dos pescadores, e uma pia, que ficava imediatamente atrás do banheiro, para limpar os peixes. Pagava-se oito reais para acampar ali. Era tudo muito simples, mas havia energia elétrica e pegava sinal de celular – só Oi.
A água utilizada nas instalações externas vinha direto do rio, através de mangueiras instaladas na barranca.
Após o conforto do prato de comida, fui para a barranca onde Maurício e Luís, amigos de João Lúcio, pescavam. Os três vinham da grande Belo Horizonte. João Lúcio e Luís eram de Contagem; Maurício, de Caratinga. João Lúcio contou que há tempos frequentava a Barra do de-Janeiro: gostava de tirar uma semana das férias para ficar sossegado na beira do rio.
Além dos três, estava ainda no rancho D. Liquinha, esposa de Nem. - Éramos as únicas mulheres ali.
Os homens estavam pescando desde cedo. Logo encerrariam. Maurício, antes de parar, retirou o samburá do rio para que eu visse um peixe "muito estranho"que fisgara. - O peixe era pequeno, amarelo com manchas, feito uma onça; tinha grandes e espinhentas barbatanas, uma boca grande e rasgada. Disse-lhe que devia ser um cascudo, pois tinha todas as características dos bagres de águas barrentas. Maurício não pareceu se importar muito com a observação, continuava a achar o bicho um espécime alienígena: -estava mesmo interessado em saber qual seria o sabor daquele peixe.
Anoitecia...
Nem chegou de Três Marias (este, sim, pescador de profissão: vivia da venda de peixes na cidade).
João Lúcio pergunta a Nem por quanto vendeu as douradas. Nem dá o preço e João Lúcio reclama: brinca que para ele a dourada era mais cara. Nem, discreto e generoso - com ar de quem diz: este não entende - responde que o peixe que João Lúcio comprou pesava mais. João Lúcio, fanfarrão, ao ver que eu escrevia coisas em um caderninho, pede para anotar: "a dourada para João Lúcio é mais cara!"
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Sem dúvida, João Lúcio era o mais divertido entre eles (teatral até); contava causos e piadas. Maurício – “Loirinha” –, sentimental; Luís, meigo; e Nem, um lord: um homem grande, moreno, rosto plácido, gestos firmes e delicados; elegante e discreto – me impressionou bastante.
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Estávamos todos (mais Adriano que voltara) no terraço da casa; comíamos os corimbatás da pescaria e, claro, o cascudo; fritos, regados a cerveja e café. Conversávamos, entre outras coisas, sobre minha viagem. Explicava que pretendia chegar a Buritizeiro ou Pirapora mas não sabia como. Imaginava descer o rio de barco com algum pescador, mas, como Nem já havia me dito (ao telefone, quando liguei de Três Marias) que não o faria pela distância, e porque não podia deixar o rancho naquele momento; colhia informações de como seguir por terra. Concluí, então, que era mais garantido seguir o rio pela margem de Buritizeiro, pois a trilha do outro lado devia estar mais marcada. Assim, Nem combinou de me atravessar até o porto da fazenda Sambaíba - dois kilômetros, aproximadamente, São Francisco abaixo.
Animado com a conversa, João Lúcio, após o jantar, me convida para ir com ele e os amigos até Barro Branco, um povoado perto dali, para comprar aquela que, segundo ele, era a melhor farinha de mandioca de Minas Gerais.
Já passava das oito quando saímos, de carro.
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