Sertão é por os campos gerais a fora e a dentro,
eles dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucuia...
Lugar sertão se divulga: é onde os pastos
carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas,
sem topar com casa de morador...


Sertão é o sozinho(...)Sertão: é dentro da gente.



quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Como começou a realidade da fantasia - No caminho para Barra do Rio de Janeiro: Estrada da Consciência

O crec crec das rodas sobre o cascalho delatava o silêncio daquela manhã quente e ensolarada – silêncio desconhecido, marcando distância no tempo e no espaço. Eu ia.

A Estrada da Consciência era cheia de “sobe- desces”, buracos e poeira. Minha primeira parada foi no terraço de um bar junto a uma mesa de bilhar – estava fechado, foi só o tempo para uma água. A segunda pausa se deu uma hora e meia depois quando, ao meu lado esquerdo, sobre um mata-burro vi a placa: Silga a 0km e Pontal a 4. Estranhei aquilo, mas resolvi passar – pensei se tratar de estrada para a sede da famigerada fazenda.



Apesar dos kilômetros percorridos até ali, confesso que a paisagem do cerrado ainda não me era familiar. Tinha medo. Ao mesmo tempo que aquele mundo me atraía como canto de sereia, meu coração nunca estava a salvo no peito: transitava entre a garganta e o estômago. Meu olhar, enquanto pedalava, estava sempre à espreita. O trecho que imaginava dar na Silga era estreito, arenoso e coberto por uma vegetação áspera e baixa; nelores, como fantasmas, surgiam entre os arbustos, havia pequenos veios de água escorrendo pelas pedras, brejinhos e ninguém. Mantinha a respiração profunda e lenta, certa de que encontraria algum sinal humano a frente. Cheguei, então, a uma encruzilhada que indicava Pontal a 2km: conclui que Silga não era ali. Fui até o vilarejo.



Em Pontal não havia mais do que umas quatro casas localizadas às margens do São Francisco (evidente que o local é mais povoado, pois existem muitos ranchos ao longo da margem do rio, mas concentrado em Pontal são poucas famílias); desmontei da bicicleta e toquei na primeira casa que avistara. Uma mulher um pouco desconfiada me atendeu: “– Sim, aqui é Pontal. Para a “Sirga”, você tem que voltar para a “estrada real”, pegar a esquerda e seguir toda a vida”.





Quatro kilômetros de volta e uma observação mais apurada: eram 10km para a Silga, o número um da placa estava apagado. Não passava das dez horas e o sol já estava a pino. Parei uma vez mais, agora para reforçar o protetor solar. Os olhos ardiam, os dorsos das mãos já estavam pretos como os de uma trabalhadora rural. Pensei: vou acabar esta viagem cheia de pés-de-galinha, com a cara dez anos mais velha. Não bastasse o sol, fui atacada neste momento por uma nuvem de borrachudos que buscavam meu sangue como tubarões. Havia parado em uma subida – procurava a proteção da única sombra de árvore local -, assim que comecei a sentir as picadas, tratei de pedalar, mas não adiantava pois não alcançava velocidade suficiente para me livrar dos insetos. Cheguei no topo do pequeno morro com as pernas decoradas de bolas vermelhas que terminavam na marca dos shorts.




Faltava ainda vencer um “areião” para chegar até Silga: sempre em frente sob sol em pseudo-deserto, segui.

Nenhum comentário:

Postar um comentário