Sertão é por os campos gerais a fora e a dentro,
eles dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucuia...
Lugar sertão se divulga: é onde os pastos
carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas,
sem topar com casa de morador...


Sertão é o sozinho(...)Sertão: é dentro da gente.



quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Entrada

Como de costume, sai antes de oito da manhã – era minha oitava partida. André me guiou de moto até o começo da estrada para Barra do Rio de Janeiro: aconselhou para eu tomar cuidado e dar notícias quando fosse possível. Não foi uma despedida feliz, sentia como se tivesse deixando um irmão, tive vontade de abraçá-lo e ficar um pouco mais, entretanto a intimidade era pouca para expressar a emoção. Ele ainda completou, com um olhar cheio de ternura: “doidinha demais!”

Na noite anterior, André ajudara a lavar bike (tomou o esguicho da minha mão dizendo que eu não sabia fazer o serviço e começou a mandar água na bicicleta, enquanto eu lhe garantia que já estava bom) e a azeitar a corrente com óleo. Parecia feliz com a situação: relembrava-lhe os “velhos tempos” de “ciclista”. Obviamente, após a lavagem, quis experimentar a bichinha: subiu o quarteirão, desceu, voltou empinando, deu saltitos; e eu, um pouco aflita, desejando a integridade da bicicleta, observava fingindo achar ótima sua performance. Terminada a brincadeira – e o banho que o Jimmy, inevitavelmente, acabou insistindo em levar – saí para comprar creme hidratante e telefonar.

Após um banho quente – e muito creme para resistir à secura do outono – cuidei de preparar minha cama no quarto em que estavam as tralhas: naquela noite André provavelmente dormiria em casa. Como não havia colchão extra, saquei meu isolante térmico e meu saco de dormir. Disse a Seo Geraldo que não precisava se preocupar que tinha todos os apetrechos necessários para a ocasião.

Ao chegar, André impediu-me de dormir sobre meu prático equipamento de camping. Tirando roupas de cama do armário, começou a forrar o tapete da sala com vários edredons. Disse-lhe para não se incomodar, mas quem havia de convencê-lo que não precisava fornecer-me o máximo de conforto que pudesse? Observáva-o no preparo do espaço enquanto fingia ralhar comigo: “ –Falei que era para se virar e pegar as coisas no meu quarto. Não vou ficar te adulando, não, viu?! (...) Vê se tem cabimento dormir naquele chão duro? Já vi que tenho que ficar te adulando mesmo, né? (...) Doidinha demais!”

Sem poder de decisão, dormi na sala; no macio de um monte de mantas. No quarto, que era em frente a sala separado apenas por uma canga como cortina; André, a namorada e o cachorro Jimmy, dividiam a cama. Custei a pegar no sono, participando, como ouvinte, das traquitanas que André armava com o cachorro para irritar a namorada.

Pela manhã, após o café, André me conduziu até a Estrada da Consciência. Iniciei a pedalada tal qual Alice ao penetrar no novo mundo: era o verdadeiro sertão que se descortinava, abrindo suas portas com o nome mais adequado: consciência.

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