Sertão é por os campos gerais a fora e a dentro,
eles dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucuia...
Lugar sertão se divulga: é onde os pastos
carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas,
sem topar com casa de morador...


Sertão é o sozinho(...)Sertão: é dentro da gente.



terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Primeiro Olhar sobre as Águas do São Francisco



Céu claro, sol brilhante; café com leite, pão com manteiga , uma bananinha e conta encerrada. Eram oito e meia quando bati de “mala e cuia” – para não dizer de bicicleta e cuia – na casa do hospitaleiro Seu Geraldo.


Temia que ele tivesse declinado da oferta, pois o hotel não causava boa impressão: só haviam homens hospedados e não me sentia segura ali – dormi com o canivete e o spray de cola debaixo do travesseiro.


Assim que cheguei, já foi logo me mostrando o quarto onde ficaria a bicicleta. Perguntou se eu já tinha tomado o café, pois ele acabara de passar um fresquinho. Como estava de folga, André – o filho – me pegou para mostrar a cidade. Queria que eu conhecesse a grande represa da Cemig, e depois me levaria para apresentar a sua mãe.


Saímos de carro. – Não era tão perto –. Lugar muito bonito e diferente do que imaginava: – A água represada do São Francisco é azul como mar –. Caminhamos um pouco pela margem: uma praia ocupada de quiosques – a maioria fechados por causa da hora –; ao fundo, era área de camping. André comprou pé-de-moleque e refrigerante; caminhamos um pouco mais e paramos depois sobre um píer para admirar a paisagem: – Na costa oposta havia algumas casas: a combinação da água azul, com a vegetação baixa do cerrado e as construções me remeteram a Istambul, na Turquia; guardada as devidas proporções, lembrava a costa asiática do mar de Mármara.






Permanecemos algumas horas ali sob o sol – recebendo alguns respingos de água quando, por algum motivo, esta se agitava. O calor convidava para um mergulho – e a temperatura da água, que, surpreendentemente, não estava gelada para o mês de maio – mas não tínhamos roupas de banho.


André contava das tardes inteiras que costumava passar ali, embrenhado nos matos, pensando na vida e usando drogas. Na adolescência tivera sérios problemas com crack, confidenciou. Falou do esforço diário para não recair, do fundamental apoio da família e dos amigos; e, principalmente, do encontro com a música: formou uma banda com outros dois amigos e hoje se apresenta em eventos na cidade. – Tocam vários estilos; mas, em geral, rock e mpb –. Disse da preocupação dos pais – que, até hoje, temem o filho voltar ao uso da droga – e do arrependimento pelas coisas que perdeu e deixou de fazer: adorava bicicleta, mas parou de pedalar conforme aumentou a frequência do consumo de crack até vender sua cara mountain-bike. Afirmou, contudo, que o que realmente o fez parar foi o amor pela família. Um tio, que muito estima, fez-lhe enxergar a dor que causava nos outros com uma lição mais ou menos assim: “Com sua vida você tem o direito de fazer o que quiser. Quer acabar com a sua saúde e o seu tempo, problema seu; mas fique sabendo que desse jeito você está acabando também com a vida das pessoas que gostam de você”.


Foi uma longa manhã de conversa, onde comecei a perceber a responsabilidade que deveria ter durante a viagem. André era a segunda pessoa que me acolhia e confiava particularidades de sua vida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário