Sertão é por os campos gerais a fora e a dentro,
eles dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucuia...
Lugar sertão se divulga: é onde os pastos
carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas,
sem topar com casa de morador...


Sertão é o sozinho(...)Sertão: é dentro da gente.



segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Perseguida


Eram quase dez da noite quando saí da casa de Seu Geraldo. O compadre dele, Zé, me deu carona até a lan house onde faria meu segundo contato desde Belo Horizonte. Foi o tempo de escrever um e-mail e enviar algumas fotos para que o estabelecimento fechasse. Saí e fui caminhando no sentido do hotel, que não distava mais do que uns quinhentos metros dali. Estava quase chegando quando fui abordada por um motoqueiro: – “Ô, onde é que cê tava? Te procurei em tudo quanto foi hotel na cidade! Você some! Mas eu sabia que ia te achar, tô te procurando faz umas duas horas!”–. Era novamente Diego, tinha vindo desde Buritizinho atrás de mim. – Confesso que desta vez fiquei um pouco assustada. Não esperava que ele fosse me perseguir até lá -. Apontei o hotel em que estava (já quase na entrada), contei o que acontecera – do jantar –, falei do tempo na lan house, e disse que estava cansada.


Ele insistiu para sairmos: “mais uma coca-cola”. Senti medo, mas decidi aceitar: não queria que soubesse que tinha medo dele, afinal, até aquele momento, não tinha feito nada que indicasse ser uma pessoa perigosa – ao contrário.


Subi na garupa da moto e lá fomos nós para um bar onde pudéssemos tomar a segunda coca do dia. Disse-lhe que gostaria de parar antes em um orelhão – era costume ligar para o Beto sempre que chegava no local de pouso.


Sem questionar, seguiu para um bar onde, acreditava, havia um telefone público perto; e o sanduíche que lhe agradava o paladar.


Diego dirigia rápido pelas ruas enquanto me contava o quanto conhecia a região e a cidade de Três Marias. Gabava-se de sua habilidade sobre a moto, embora não tivesse carteira. Eu pedia para ele andar mais devagar: não queria problemas. – Só pensava na loucura que estava fazendo: na garupa da moto de um desconhecido (maluco que me persegue kilômetros durante quase um dia inteiro) e ainda por cima sem carteira de habilitação! Era temeridade demais. De qualquer modo, confiava na minha intuição sobre ele; e tinha fé no destino: – os fatos têm hora marcada para acontecer: se a má sorte é para agora, é porque tinha de ser. Assim como diz Riobaldo: “Dia da gente desexistir é um certo decreto – por isso que ainda hoje o senhor aqui me vê”.


Chegamos ao tal bar (uma espécie de lanchonete com aspecto “risca faca”, em uma rua vazia e escura). Por sorte não havia orelhão ali, então voltamos para o centro. Pela falta de orelhões que funcionassem, acabei ligando do celular quando paramos no único bar/lanchonete que parecia seguro: ao lado do posto de gasolina da BR 040 – o local onde encontrei as meninas na chegada –. Era um lugar aberto, com mesinhas de plástico vermelho no terraço cimentado. - Até música ao vivo tinha.


Ele pediria duas cocas, mas preferi água. Tomei um copo de refrigerante e depois só água. Conversamos sobre a vida. Ele acabou se abrindo e contando um pouco de sua história. Tinha só vinte e quatro anos; nome completo: Diego Josimar dos Santos. Nascera em Corinto e saira cedo de casa porque o pai bebia muito – a mãe falecera quando era pequeno. Já tinha morado em Sete Lagoas e ali, com a irmã; contudo, foi perto de Buritizinho que vivera a maior parte do tempo, com um senhor que lhe ensinou o trabalho rural.


Enquanto falava, eu gravava tudo, e anotava certos jargões e gírias que lhe eram correntes. Incomodado, pedia para eu não anotar tudo. – Diego não sabe ler e se preocupava de eu escrever coisas negativas a seu respeito.


Quis saber da minha vida, o porquê daquela viagem. Contei-lhe da morte de meus pais, do desapego, do desejo de conhecer Minas e a região da literatura roseana. Sobre perigo e medo, argumentei que seria difícil alguém me atacar na estrada porque a vestimenta e o capacete disfarçavam a imagem, o que dificultava, a distância, ser identificada como mulher; – isso podia garantir certa proteção. Diego afirmou que não, pois assim que me vira, reconheceu logo que era mulher e, destacou, “bonita”. Imediatamente, achou prudente esclarecer que não era por isso que viera atrás de mim, mas por pura preocupação. Fiz que acreditava nele e comecei a dizer sobre medo de animais, pois haviam me alertado que o IBAMA soltara algumas onças naquela região.


Então passamos a outra prosa, a da caça e de sua “perrada”: os seus quatro xodós, os cães mateiros para caçar tatu, veado e qualquer outro bicho, fosse comestível ou não. Madona, Chorão, Campina e Negão eram os perdigueiros, companheiros inseparáveis de andanças pelo mato. Diego não confirmou o repovoamento de onças, mas disse que o aumento das áreas de plantio do eucalipto eram responsáveis pela mudança de território de muitos animais: observou que hoje está comum ver nas redondezas das casas e vilas animais que antes não se aproximavam, como tamanduás, onças, raposinhas, cobras, guarás, etc. E contou que seu maior prazer é caçar tatu. Perguntei como fazia. – “É pelo cheiro. Sinto o cheiro do tatu; eu e a perrada. A gente não perde um. Mas tem que saber onde eles costumam ficar: tatu gosta de cambaúba (espécie de gramínea típica do cerrado)...A perrada é tão doida por caçada que eles vão até sem mim. As vezes passam a noite no mato farejando tatu. A Campina é a pior, não cansa, não!...”






Conversamos um pouco mais até que ele confessou que apesar da preocupação, me seguiu porque gostou de mim e ficou curioso. Disse, enfim, que eu era muito parecida – fisicamente – com uma garota que ele gostara: a “Jack”, – que trabalhava no posto de gasolina ao lado -. Continuou falando de alguns romances, namoros; da vontade de conhecer o mar e de sua vida errante: – “Vou levado pelo tempo - de rocha. Quem roda é bola".


Deixamos o bar já eram mais de meia-noite. Estava bastante cansada. Propus de dividirmos a conta, mas ele não deixou: disse rindo que pelo menos uma coca e uma água ele podia pagar. Deixou-me no hotel e partiu sem saber se arranjaria pouso na casa da irmã ou na de um conhecido. – “Em Três Marias estava em casa.”

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