
Dia certo para visitar Diamantina: no ônibus, uma senhora me diz que naquele sábado haverá a Vesperata.
-O que é isso?
-Vesperata é um evento onde a banda militar e a guarda mirim se apresentam juntas, tocando das varandas dos casarios antigos. Acontece na área central da cidade um sábado por mês.
-A que horas começa?
-Às nove da noite.
Um pouco tarde para quem não pretendia passar a noite em Diamantina. Mas tudo bem. Se houvesse ônibus de volta depois de onze da noite, ficaria.
Chegamos na rodoviária, me despedi da senhora e fui ao guichê perguntar pelos horários. – Eu disse que estava com sorte: o último ônibus saía meia noite e meia.
Passagem comprada, só me restava agora perambular pelas ruas de Diamantina e esperar pelo grande show.
Caminhei em direção ao centro, visitei a Casa de Chica da Silva, depois o antigo mercado (acontecia uma feira lá, com muita comida típica e dança); almocei num restaurante a kilo – onde um senhor da cidade me abordou para contar causos da história de Diamantina e dar dicas de pontos turísticos -, procurei uma lan house, para fazer meu primeiro contato desde a saída de BH; perambulei mais um pouco, fui até o Museu dos Diamantes e depois me deixei em um banco de praça para uma sesta tardia.
Era quase seis horas, começava a esfriar. Já tinha descido e subido muitas ladeiras, posto os olhos na arquitetura colonial de praticamente todas as ruas do centro histórico. Fui então tomar um café para esperar a Vesperata.
Da porta da padaria, olhava para a lua, que estava linda encaixada num céu limpo e profundo – não havia muitas estrelas.
Pensava na distância do Rio de Janeiro, no prazer da liberdade e em meus limites corporais: eu era tão pequena e desconhecida ali – Adoro a sensação de ser desconhecida: não suscitar interesse, não estar em lugar nenhum, não ser ninguém; Algo como água que é insípida, inodora e incolor, por isso mesmo fluída e participante...
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As mesas postas na rua onde aconteceria a Vesperata já estavam bem cheias, eu estava numa calçada de frente para uma das casas que receberia os músicos.
O show começa com o maestro a reger do centro da rua, sobre um pequeno palanque no meio das mesas. O repertório é eclético incluíndo Roberto Carlos, Tim Maia, músicas americanas, chorinhos e outros.
A Vesperata é um evento muito bonito e gostoso de estar. Não me contive e, depois de algumas músicas, fui até um canto que estava menos cheio e comecei a dançar. Nesta hora chegaram três motoqueiros vindos de uma cidade mais ao norte chamada Joaquim Felício. Eles vieram por trilhas e nem imaginavam chegar em Diamantina em dia de Vesperata.
Estavam imundos de terra e com roupas especiais, pareciam saídos do filme Mad Max. Gostei dos caras, decidi puxar conversa imaginando que eles deviam conhecer bem a região e podiam me dar dicas de rotas na descida do rio São Francisco.

Convidaram-me para sentar. Falei da viagem e do que estava descobrindo pela região. Celio Caldeira, o mais extrovertido deles – e não consigo me abster de dizer: um homem lindo, moreno de olhos claros, expressão vivaz e inteligente – foi o primeiro a me prevenir sobre a areia que iria encontrar pelo cerrado conforme fosse para o norte. Não dei muita bola, pois não podia calcular ainda o que isso significaria.
Falamos ainda dos trabalhos de cada um, e Celio disse que entre outras atividades, comercializava Sempre-Vivas - uma espécie de flor típica do cerrado que muitos ambientalistas dizem estar em extinção pela exploração excessiva.
Foi aí que Celio começou a contar sobre um encontro onde pesquisadores do assunto alertavam para o problema da extinção da planta. Ele estava presente e fez observações que causaram polêmica no debate. Segundo Célio, os pesquisadores eram mal-informados sobre o assunto, não tinham conhecimento preciso das áreas produtoras de Sempre- Viva (como João Pinheiro) e agiam protegendo os interesses da indústria do agronegócio.

Explicou-me que a Sempre-Viva, em geral, não é plantada, ela entra no processo econômico como produto extravista. E que não é a exploração da flor que está causando o declínio de sua população mas a destruição do cerrado para o plantio de outras culturas, especialmente do eucalipto. Disse que, ao contrário, o extrativismo não agride porque os próprios coletores têm uma técnica que preserva a parte da planta que voltará a florescer. O problema, disse ele, é que para haver Sempre-Viva tem que haver cerrado, mas capitais de maior vulto não tem interesse no comércio desta espécie, mas nas áreas onde elas existem, para a produção de outros insumos e criação de gado.
Foi uma conversa interessantíssima que durou até a hora em que tive de deixá-los para tomar o ônibus de volta para Curvelo.
Obs. Foto da Vesperata no álbum.
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