Sertão é por os campos gerais a fora e a dentro,
eles dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucuia...
Lugar sertão se divulga: é onde os pastos
carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas,
sem topar com casa de morador...


Sertão é o sozinho(...)Sertão: é dentro da gente.



quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Sertão, esses seus vazios...


De desde, até hoje em dia, a lembrança de minha mãe às vezes me exporta. Ela morreu, como a minha vida mudou para uma segunda parte.



Ainda não disse como cheguei ao sertão – decerto porque acredito que foi ele que veio até mim: não busquei.

Morte de mãe é anúncio de sertão na vida: o espaço sem rosto, sem identidade, sem família, passado ou futuro: o aqui-agora da errância.

A minha começou quase três anos antes dessa viagem, na cidade de Ribeirão Preto, na noite do dia primeiro de janeiro de 2009. Ali começou o sertão para mim: fora de casa, numa cidade que eu mal conhecia, com a qual não tinha nenhuma relação e onde, depois do ano virado, fiquei sem o único amor necessário. De súbito, o mundo tornou-se igualmente desconhecido: não havia mais lugar, qualquer parada era a mesma parada: a do coração, sem diferenças: vida ou morte, casa ou sertão.

Foi então que descobri Riobaldo... Ele parecia compreender o que eu sentia: falava de vazios, de solidões, de grandes lugares escondidos – somente do conhecimento de umas poucas “veredas, veredazinhas”. Falava de uma paisagem, enfim, que era dentro, mas que também era fora da gente, e por isso possível de ser tocada. O cerrado mineiro caracterizava as paisagens internas, da alma... Por quê?

Não sei por que, mas sei que precisava de um espelho; um ambiente, uma condição que materializasse meu sentimento do mundo. Este sentimento que Riobaldo informava fazer parte dos Gerais: o sertão. Sim, minha vida havia mudado para uma segunda parte com a morte de minha mãe tal como aconteceu com o personagem do livro, e era agora o ato da errância. Não era uma busca por liberdade, era uma busca por reconhecimento, o reconhecimento de um estado de alma. A liberdade é coisa delicada: só aparece sob referências, sem elas o que se experimenta é destino, sorte nos caminhos. Eu vagava pelos Gerais assim: na sorte. Poderia ter acontecido qualquer coisa, felizmente só cruzei coisas boas nas estradas - mas poderia ter sido diferente.

(Engraçado que sonhei com minha mãe no início da viagem e ela estava muito feliz por mim).  

Riobaldo erra buscando, casa-se com Otacília para acertar o equilíbrio que só um amor simples é capaz de oferecer, no entanto Diadorim continua como sua neblina: o impossível de quem vai só se for para não voltar, de quem não pode ter outro destino senão morrer (Diadorim reifica o próprio sertão na pessoa). Na velhice ele já está sediado num canto qualquer dos Gerais, um canto caloroso, sobretudo; porém não venceu o sertão, que continua em Diadorim e na lembrança da mãe que ainda lhe exporta: esse sertão que ninguém não conhece, nem mesmo ele próprio que sente.

Também errei, mas não foi querendo parada, tampouco “dando batalha” mirando vingança por razão tal qual Diadorim. Saí mesmo porque neste segundo ato da peça sociedade não tinha, em mim só restava natureza.   



3 comentários:

  1. Ana, por onde eu passei as pessoas deram notícias de que você estava dando batalha sim. Ninguém soube dizer contra o que, mas era uma mulher toda-coragem, delicada e forte, rompendo o sertão sozinha de bicicleta. Talvez você estivesse querendo se vingar das injustiças do mundo, da falta de sentido da vida, do absurdo que é se perder uma pessoa querida. Talvez quisesse só se perder na imensidão do cerrado. A gente se perde mas também se encontra nessas veredas da vida!

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  2. Engraçado como são as coisas: Ribeirão foi minha maior experiência de dor, mas também a maior de amor. Nunca amei tanto como naqueles dias de acompanhamento.
    Sertão Veredas foi uma experiência de grande medo, mas também a de maior alegria. Nunca fui tão feliz como naqueles dias de errância.

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  3. Pois que assim te vejo e em mim me percebo, às vezes. Selvagem enquanto que a sociedade não oferece sentido. O amor, a que tudo modifica e constrói razão para ser , é a grande liga alquímica que mantém a cidade, esta criação labiríntica, social e materialmente falando, em funcionamento.
    Sem ele , a sociedade, a cidade - grande invenção do homem - , nos oferece não mais que a certeza de que estamos sós, a não ser que nos esforcemos na criação de artifícios sociais, inserções e interações. Na natureza, pelo contrário, tu naturalmente dela faz parte, se assim permitir. Queira ou não, é simplesmente o natural, e o natural prevalece.....

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