De desde,
até hoje em dia, a lembrança de minha mãe às vezes me exporta. Ela morreu, como
a minha vida mudou para uma segunda parte.
Ainda não
disse como cheguei ao sertão – decerto porque acredito que foi ele que veio até
mim: não busquei.
Morte de mãe
é anúncio de sertão na vida: o espaço sem rosto, sem identidade, sem família,
passado ou futuro: o aqui-agora da errância.
A minha começou
quase três anos antes dessa viagem, na cidade de Ribeirão Preto,
na noite do dia primeiro de janeiro de 2009. Ali começou o
sertão para mim: fora de casa, numa cidade que eu mal conhecia, com a qual não
tinha nenhuma relação e onde, depois do ano virado, fiquei
sem o único amor necessário. De súbito, o mundo tornou-se igualmente desconhecido:
não havia mais lugar, qualquer parada era a mesma parada: a do coração, sem diferenças: vida ou morte, casa ou sertão.
Foi então
que descobri Riobaldo... Ele parecia compreender o que eu sentia: falava de
vazios, de solidões, de grandes lugares escondidos – somente do conhecimento de
umas poucas “veredas, veredazinhas”. Falava de uma paisagem, enfim, que era
dentro, mas que também era fora da gente, e por isso possível de ser tocada. O
cerrado mineiro caracterizava as paisagens internas, da alma... Por quê?
Não sei por
que, mas sei que precisava de um espelho; um ambiente, uma condição que
materializasse meu sentimento do mundo. Este sentimento que Riobaldo
informava fazer parte dos Gerais: o sertão. Sim, minha vida havia mudado para
uma segunda parte com a morte de minha mãe tal como aconteceu com o personagem do livro, e
era agora o ato da errância. Não era uma busca por liberdade, era uma busca por
reconhecimento, o reconhecimento de um estado de alma. A liberdade é coisa delicada:
só aparece sob referências, sem elas o que se experimenta é destino, sorte nos
caminhos. Eu vagava pelos Gerais assim: na sorte. Poderia ter acontecido
qualquer coisa, felizmente só cruzei coisas boas nas estradas - mas poderia ter sido diferente.
(Engraçado
que sonhei com minha mãe no início da viagem e ela estava muito feliz por mim).
Riobaldo erra buscando, casa-se com Otacília para acertar o equilíbrio que só um amor
simples é capaz de oferecer, no entanto Diadorim continua como sua neblina: o
impossível de quem vai só se for para não voltar, de quem não pode ter outro destino
senão morrer (Diadorim reifica o próprio sertão na pessoa). Na velhice ele já
está sediado num canto qualquer dos Gerais, um canto caloroso, sobretudo; porém
não venceu o sertão, que continua em Diadorim e na lembrança da mãe que ainda
lhe exporta: esse sertão que ninguém não conhece, nem mesmo ele próprio que
sente.
Também errei, mas não foi querendo parada, tampouco “dando batalha” mirando vingança por razão tal qual
Diadorim. Saí mesmo porque neste segundo ato da peça sociedade não tinha, em mim só restava natureza.
Ana, por onde eu passei as pessoas deram notícias de que você estava dando batalha sim. Ninguém soube dizer contra o que, mas era uma mulher toda-coragem, delicada e forte, rompendo o sertão sozinha de bicicleta. Talvez você estivesse querendo se vingar das injustiças do mundo, da falta de sentido da vida, do absurdo que é se perder uma pessoa querida. Talvez quisesse só se perder na imensidão do cerrado. A gente se perde mas também se encontra nessas veredas da vida!
ResponderExcluirEngraçado como são as coisas: Ribeirão foi minha maior experiência de dor, mas também a maior de amor. Nunca amei tanto como naqueles dias de acompanhamento.
ResponderExcluirSertão Veredas foi uma experiência de grande medo, mas também a de maior alegria. Nunca fui tão feliz como naqueles dias de errância.
Pois que assim te vejo e em mim me percebo, às vezes. Selvagem enquanto que a sociedade não oferece sentido. O amor, a que tudo modifica e constrói razão para ser , é a grande liga alquímica que mantém a cidade, esta criação labiríntica, social e materialmente falando, em funcionamento.
ResponderExcluirSem ele , a sociedade, a cidade - grande invenção do homem - , nos oferece não mais que a certeza de que estamos sós, a não ser que nos esforcemos na criação de artifícios sociais, inserções e interações. Na natureza, pelo contrário, tu naturalmente dela faz parte, se assim permitir. Queira ou não, é simplesmente o natural, e o natural prevalece.....