Pedalar.
Primeiro, adentro o arraialzinho da Sambaíba, uma “currutela”, como chamam no
sertão um ajuntamento de meia dúzia de casas no espaço rural. Ninguém ali.
Continuei na estrada até chegar numa área de pastagem. Era o início e eu já não
tinha certeza de onde estava. O sol começava a se estabelecer, a cerração a se
dissipar, mas a terra ainda permanecia úmida. No rumo, distante cerca de
quinhentos metros, avisto um homem na estrada. Passei por ele e perguntei. Apesar
da explicação, o fato de não ter noção da distância em que deveria sair de uma
estrada para entrar em outra tornava o percurso dependente também de golpes de sorte. (Nesses casos, eu costumava permanecer na “estrada mais batida”, no
caminho que parecia mais óbvio). Passei então sobre um rio de nome Formoso (vi
ali um carcará bicando um pedaço de pano velho) e me senti confiante: estava no
caminho certo, tinha descido e atravessado o rio conforme me disseram. Além do mais, o sol do meu lado direito
confirmava o sentido norte.
Mais alguns
kilômetros e avisto a fazenda Carneiro. Decido passar a porteira para perguntar
mais uma vez.(Para entrar em fazendas, sempre deixava o canivete em lugar de fácil alcance com a lâmina aberta, para me defender caso algum cachorro resolvesse atacar).
Sou recebida primeiro por três cachorros que, com os latidos, logo atraíram à porta quem estava em casa: uma mulher, uma garota adolescente e uma menininha. (Ninguém nunca entendia bem o que era aquilo: uma mulher chegando de bicicleta sozinha...). A mais velha confirmou que estava no caminho certo para Buritizeiro. Segui, então, como diziam: animada! Veio uma serra um pouco íngreme, mas não precisei empurrar a bike; continuava, observando os arredores por controle: pensava nas onças. Foi quando, subitamente, o cerrado acabou e me vi dentro de um enorme “eucalipal”. Ali constatei que tinha tomado o caminho errado e que por isso a viagem ganharia cerca de 50km a mais. O rapaz que tinha encontrado na estrada assim que saí da Sambaíba havia me dito que existiam dois caminhos, o de cima, mais usual, levava para a fazenda de eucalipto, Nazaré; o outro “margeava” o rio. Como pelo rio eu não deveria ver eucalipto, certamente tinha tomado o caminho da Nazaré.
A estrada era pura areia, bancos de 40cm ou mais. Por sorte, a chuva na noite anterior compactara o solo, o que possibilitou pedalar, senão perderia longo tempo ali. As árvores estavam altas e não era possível enxergar onde estava. Cheguei em uma encruzilhada na plantação e não sabia para onde seguir. Qualquer erro poderia significar desgaste, fome, falta de água e uma noite no mato. Se estamos no rumo certo, nossos esforços podem ser medidos pelo tempo de viagem aproximado; errar neste caso significa perder o pouco de controle que temos da situação sem qualquer garantia de encontrar alguém no caminho para ajudar. Respirava fundo e olhava para as opções: esquerda ou direita no labirinto de eucaliptos? Direita: porque havia marcas de pneu no solo e o sol continuaria refletindo no meu lado direito: rompia para o norte.
O “eucalipal” diminuia de altura e a vista podia então ir mais longe, o que também gerava alívio. Outro carro se aproxima e dessa vez ganho do motorista saborosas mexericas. A paisagem vai mudando, e dos eucaliptos passo para uma área de cerrado caído, destruído.
Depois, num baixio, vejo a primeira vereda da viagem. É a "ficção" real: os buritis, o resfriado. O medo se encerra, invadido pelo sonho. Estou emocionada.
Pela
configuração do espaço é possível perceber se já estamos perto de estrada de
rodagem ou não. É simples: há mais cercas, mais placas, mais movimento humano
nas proximidades de rodovia. Passei da vereda e cheguei num cruzamento onde, do
lado direito havia uma fazenda. Vou até lá para mais uma vez saber do caminho.
Essas
fazendas de eucalipto em nada se assemelham àquelas fazendas de nossa memória
do Brasil colônia ou da república velha. Não são áreas de morada, não tem
casarões coloniais, cavalos, pomar, horta, quintal, terreiro...São empresas, algumas
com escritório e grandes barracões onde se guarda o maquinário. Não possuem
camponeses mas seguranças armados, vigias, câmeras. Não é espaço de vida. É
estranho porque descaracteriza o rural, mas também não se configura como um espaço
urbano. É uma fronteira sem semblante, sem humanidade.
Chego nessa
fazenda e não vejo ninguém, no entanto sou vista; Adriano, um segurança vestido
como policial, vem falar comigo. Percebo que está armado. Ele é simpático até,
explica que estou há aproximadamente 7km
do asfalto, mas que para Buritizeiro terei ainda que percorrer algo em torno de
70km.
Não vejo
problema contanto que tenha algum lugar onde possa fazer uma refeição neste
intervalo. “Não há”, me disse. Era meio-dia, e me restavam apenas duas
mexericas e um quarto de um pacote de bolacha salgada. Adriano disse que me
arrumaria algo se tivesse, mas que ele levava marmita e já tinha almoçado.
Com comida
ou sem, o jeito era continuar. Tinha esperança, no entanto, de conseguir um
pouco mais de comida em qualquer lugar da estrada.
Oi, Ana querida!! O que aconteceu? Como terminou? Escreva mais, estou te acompanhando.
ResponderExcluirBeijos,
Namaste,
Isabela (pulsar)
Ana, encontrar a primeira vereda pelo caminho foi pra mim uma das experiências mais emocionantes da viagem. A minha foi no caminho entre Morro da Garça e Andrequicé, depois de Buritizinho. Me lembro da gritaria das maritacas e das araras, depois descobri que eram canindés as mais escandalosas.
ResponderExcluirE ficar perdido dentro de uma floresta de eucalipto é realmente desgastante. Mais ou menos nessa mesma altura, mas do lado esquerdo do São Francisco, fiquei errando por dentro de um grande "eucalipal" da Gerdau por horas até descobrir a saída e chegar na Fazenda São Francisco. Essa era uma fazenda de verdade com gado, vaqueiros, água e comida...
E vc ainda viu uma das mais bonitas,né Makely?,segundo o próprio Rosa.
ResponderExcluirIsabela, se tiver paciência vai saber de tudo, estou escrevendo aos poucos. Bom saber que acompanha. Um beijo.
Sim, era a Vereda São José. Pena que hoje ela fica espremida numa faixa entre os eucaliptos!
ResponderExcluir