Sertão é por os campos gerais a fora e a dentro,
eles dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucuia...
Lugar sertão se divulga: é onde os pastos
carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas,
sem topar com casa de morador...


Sertão é o sozinho(...)Sertão: é dentro da gente.



quarta-feira, 5 de setembro de 2012

21/05 - Saída da Barra


Seis da manhã. O dia está nublado. Tenho minhas tralhas já arrumadas, espero Nem levantar para seguir de canoa  até o porto da Sambaíba onde tomarei a estrada para Buritizeiro. Bebo um café pingado e novamente como bolachas Maria.  João Lúcio e Luís dizem-se tristes com minha partida, falam que a Barra vai perder a graça: “A gente devia é ter ido para as bandas do Rio Pardo, para conhecer mulher como você! Meu coração vai contigo...”; falam  João Lúcio e Luís. – São muito teatrais.

No momento de deixar a Barra, uma foto com todos de lembrança.  Nem desce a barranca para embarcar a bicicleta, Luís lamenta: “Liquinha me dá o Rivotril, faz favor!”. Um último abraço em cada um, depois o pulo para dentro da canoa. João Lúcio se apressa, tira do bolso uma nota de cinquenta reais e pede para eu pegar, “é para ajudar na viagem”.


Partimos. O São Francisco está enevoado pela cerração da água na superfície. Sinto-me naqueles cenários de selva onde o vapor, como gelo seco em palco, materializa o mistério tornando o presente suspeito. Vamos quietos. Nem desce comigo aproximadamente dois kilômetros de rio. Não sei em que tempo estou: a manhã é jurássica. De repente uma pequena clareira surge na margem esquerda, Nem diminui a velocidade e encosta. Chegamos nas terras da Sambaíba. Há um homem ali, com traços asiáticos; parecia que nos esperava. 

Este homem me dá instruções de como chegar em Buritizeiro margeando o rio, mas previne que não será fácil: “É complicado até para quem mora aqui. Você vai perguntando, se ver alguém na estrada; para não se perder”.  

As instruções de direção no meio rural são um tanto difíceis para quem é da cidade pois, visto que não se trata de um espaço racionalizado tal qual o meio urbano, as referências, em geral, correspondem a marcos de vegetação, do curso dos rios, de casas de sitiantes e outras pequenas interferências humanas como: mata-burros, tipos de cerca e agricultura. É raro ouvir esquerda/direita ou menção a placas de sinalização. A coisa é mais ou menos assim:  vai para o rumo de cá, depois vira para lá, passa um número X de mata-burros, vai ter um rio, uma pontezinha, uma plantação Y, um “gaio”, um baixadão, etc. ... Por aí vai. Fica a impressão de que o senso de orientação nesses ambientes é exclusivamente prático – como  comida feita “a olho”, para a qual não existe a medida exata dos ingredientes, mas aproximações que dependem sobretudo do hábito de quem prepara –  entretanto, mesmo que o movimento do corpo pelo espaço seja o condicionante do conhecimento sobre o caminho (um conhecimento cinestésico), existe uma precisão a partir de certos elementos significativos. O problema é que nós, habitantes das cidades, não estamos acostumados a lógica desses espaços, o que nos leva a pensar que as instruções dadas não são suficientes para garantir um destino correto. Lembro-me de sempre ter dúvidas quando chegava num mata-burro ou porteira de que se tratava exatamente do que tinham indicado. No fim das contas,  o que sentia era a falta de símbolos (palavras e números) na paisagem; seguia um mapa imaginário feito de plantas, madeira, água e ferro que deveriam combinar com aquilo que via pelo caminho.             

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