Sertão é por os campos gerais a fora e a dentro,
eles dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucuia...
Lugar sertão se divulga: é onde os pastos
carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas,
sem topar com casa de morador...


Sertão é o sozinho(...)Sertão: é dentro da gente.



sábado, 11 de agosto de 2012

20/05 - Silga

Acordamos cedo na Barra, eram seis da manhã. O dia estava molhado da chuva que caíra na madrugada. Tomei café preto e comi bolacha Maria no desjejum. Adriano, que mais uma vez passava pelo rancho, me atravessou para a fazenda Cambaúba: eu queria visitar a tão falada capelinha da Silga.
Refazendo a trilha do pasto da fazenda, vasculhava novamente os feixes de mato à procura do gravador: nada. Ia à pé dessa vez, a capelinha devia distar uns quatro kilômetros da casa de D. Vera; bastava retornar para a estrada no sentido do povoado das Pedras.
No caminho, só o silêncio compartilhado com algumas vacas e dois cavalos parados no pasto. No entanto eu nunca estava tranquila: andar sozinha exigia ainda mais de meus sentidos "herbívoros", era como se aquela estaticidade do ambiente rural fosse uma permanente emboscada. Imaginava animais a me espreitar, olhos vindos de todos os lugares; pensava quais reações poderia ter caso sofresse algum ataque. Ao mesmo tempo, não deixava de afirmar a mim mesma que onças circulam à noite e que o ambiente é sempre mais limpo de perigos do que nossa imaginação costuma pintar.
A capelinha da Silga é um lugar importante na literatura rosiana. É em torno de sua construção e da festa para seu benzimento que gira o conto Uma História de Amor, do livro Manuelzão e Miguilim. Conta Pedro Fonseca, em O Xale de Rosa (recente publicação do jornalista sobre a vida do vaqueiro Manoel Nardy), que o local para a construção da capela fora sugerido pela mãe de Manuelzão (Inhá). O lugar no romance de Rosa chama-se Samarra e fica na parte alta das terras da Silga. Ali também encontra-se o cemitério onde estão enterradas Inhá e a primeira mulher de Manuelzão (Luísa). Na verdade, a construção da capela começou logo após a morte de Inhá (1948) e demorou três anos para terminar. O vaqueiro lembrou-se do que havia lhe dito a mãe: que aquele alto era um lugar bonito para uma capela, e a enterrou lá, cercando uma área mais plana com estacas de aroeira para ter um cemitério. E imediatamente abaixo foi erguida a capelinha. O conto em que Manuelzão é o personagem central refere-se aos três dias de festa pela inauguração da capelinha, anteriores à saída da comitiva de boiadeiros que tocaria o gado da fazenda Silga até a fazenda São Francisco, em Araçaí, a qual Guimarães Rosa acompanhou. O escritor, primo de Chico Moreira, arrendatário da Silga, participou dessa  festa.


Não foi difícil encontrar o local. Haviam me dito que ficava do lado esquerdo da estrada (referência para quem vinha da Barra), um pouco encoberto pelo mato e junto a alguns fornos de carvão. Um grupo de quatro araras canindés passou por mim quando estava chegando, trazendo-me um último som. Vi primeiro um dos fornos e entrei no mato na direção dele. Era ali: um lugar sombrio e de aspecto abandonado, que mesmo a luz da manhã não era capaz de acender. O cemitério tinha ares de elo perdido que assim queria continuar.  Não consegui reconhecer quais poderiam ser as sepulturas dos familiares de Manuelzão, os túmulos e as cruzes estavam em ruínas. A capelinha, de pé, parecia alheia a isso. Uma outra maior estava sendo construída, mas ainda que o reboco de cimento e uma pequena pilha de tijolo mal arrumada indicasse o movimento humano, aquele parecia um lugar de almas abandonadas.

 Não me demorei por lá: não era medo mais, era o sufoco de uma paisagem decrépita que parecia querer ficar sozinha. Peguei o caminho de volta, então, sem muito pensar. Os cavalos continuavam no mesmo lugar. 



  

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