Sertão é por os campos gerais a fora e a dentro,
eles dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucuia...
Lugar sertão se divulga: é onde os pastos
carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas,
sem topar com casa de morador...


Sertão é o sozinho(...)Sertão: é dentro da gente.



sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Curvelo para Morro da Garça

Tudo arrumado, rotina de estrada. Check-out, saída.
Destino: Morro da Garça. Rota: BR 135 até a altura do posto Denise, depois, esquerda, atrás do posto – estrada de terra. Distância aproximada: 38km.


...

Já estava na BR quando resolvi averiguar o que levava no bolso da camiseta. Tinha algo em excesso ali do qual não me lembrava. Era a chave do quarto do hotel. Já tinha percorrido aproximadamente sete kilômetros quando percebi o objeto e decidi voltar para devolver.
O percurso acabou ganhando 13km extras por isso; mas foi oportuno, pois o atraso me proporcionou conhecer alguns “trekkers” do Amantes da Magrela.

...

Cheguei na altura do posto de gasolina e quando me preparava para atravessar a pista, algumas pessoas começaram a sair, uma a uma, do meio do mato, no acostamento ao meu lado. Disseram que vinham de um distrito de Corinto chamado Vargem de Cima, distante uns trinta kilômetros dali; estavam indo para Curvelo e caminhavam desde o início da madrugada.
Conversamos alegremente, tiramos algumas fotos, eles ficaram no posto para água e lanche e eu continuei meu caminho.
A estrada para Morro da Garça era quase toda plana e bem conservada, como tinham me dito. A paisagem, bastante agradável, com vários momentos arbóreos e frescos.
Foi uma viagem muito tranquila e prazerosa.

...

A sensação de solidão não me tinha chegado até ali – desde o start em Belo Horizonte. Talvez porque a adrenalina tempera a gente é para a autoproteção, não para as percepções íntimas.
Entretanto, naquela manhã, ocorreu que, ao olhar em volta, percebi minha unidade.
Terra, árvores e céu...Eu? Sozinha.
A mata, vibrando certa sua soberania, mostrava-se em toda divindade. Não sabia, mais uma vez, daquele filete de medo que brotava: se dessa vez era destino pressentido ou uma espécie de despertar presencial.
Enquanto o cerrado afirmava que tudo era só um inconsciente desejo de alegria, eu sentia o sangue correr silencioso sob a pele. Onde estariam meus interlocutores pessoais, as dezenas de facetas de mim mesma com quem sou permanente diálogo? Estranhamente todos tinham partido. Estava de fato só, e com um pouco de medo.
Não havia nada naquele momento que eu pudesse fazer. Por isso escolhi ter fé – era o único jeito de alguém aparecer.
Fé na vida e em minha sina. Confiar meu abandono programado a um deus onipresente; sabendo que não pertencia a nada e ninguém, exceto a tudo que estava em meu caminho.
Fosse estes pensamentos apenas lampejos de uma consciência de solidão, certo foi que me apresentei ali a uma outra pessoa, um eu estrangeiro e bem-vindo que começou a pedalar por mim. Ele/ela (deus ou não) saberia me conduzir para qualquer lugar. Tinha propriedades bem pisadas: era filho(a) da vida e do tempo – somente.
Alegria foi o que senti. Como se de repente eu compreendesse a razão de um pulso animado chamado vida. – Sentido que derramava sobre o mundo.

...

Cheguei em Morro da Garça cedo, para o almoço.
Não eram duas da tarde e já estava bem acomodada na pensão da Pretinha: uma casa antiga, em estilo colonial, sem forro de teto, janelas trancadas com tramela, galinheiro e pomar no quintal. Não podia querer mais dos Gerais que buscava.

3 comentários:

  1. Que região propícia a bicicleta, gostaria estar lá para curtir essa região! Obrigado por seu blog, conheci hoje!


    Emmanuel M. Favre-Nicolin
    Blog Vitória Sustentável
    http://vitoria-sustentavel.blogspot.com

    ResponderExcluir
  2. Acabei de ler esta página e ela não pára de vibrar. Guimarães mora por dentro, evidente mas, tem outro alguém por aqui. Lendo boquiaberto.

    ResponderExcluir
  3. Agradeço os comentários. Literatura e viagens de bicicleta são minha paixão.

    ResponderExcluir