Sertão é por os campos gerais a fora e a dentro,
eles dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucuia...
Lugar sertão se divulga: é onde os pastos
carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas,
sem topar com casa de morador...


Sertão é o sozinho(...)Sertão: é dentro da gente.



terça-feira, 16 de agosto de 2011

O dia D: A partida

Madrugada do dia doze de maio de 2011.

A noite estava sendo longa. Não conseguia dormir, acordava o tempo todo.
Coloquei o despertador para tocar às quatro e meia da manhã. Não queria me demorar na saída posto que tinha sido aconselhada a partir cedo da cidade. – Deitei tarde apesar de saber que precisava pular da cama antes do amanhecer.

Podia chover naquele dia, o céu estava com algumas nuvens. Eu era toda ansiedade e expectativa. Não queria chuva, não queria atrasos em meus planos.

O despetador toca. – Graças a Deus! – Eu queria começar logo aquilo.

Estava hospedada na casa de Seu Calimério, pai de uma amiga do Rio. Há três dias que estava em Belo Horizonte. A viagem começaria lá.

Primeiro dia em BH: hospede-me em um hostel. No segundo, como combinado, procurei Seu Calimério e fui para sua casa.

O céu ainda estava escuro e eu já pronta, com a bicicleta preparada no quarto. Faltava acoplar os alforjes. - Mas eu faria isso na garagem, para facilitar: haviam seis lances de escadas para descer.

Meu anfitrião levantou em seguida e não consentia que eu partisse sem tomar o café da manhã. Hesitei um pouco porque pretendia sair às cinco, mas como não quis ser indelicada, fiquei para o café.

Eram seis horas quando descemos com as coisas; seu Calimério com os alforjes e eu com a bicicleta. Na garagem, ele me ajudou a prendê-los no bagageiro; nos despedimos, ele me desejou boa sorte, explicou novamente qual seria o caminho até a saída da Rua Cristiano Machado (uma das vias de acesso à cidade que segue no sentido de Confins). Fui.

Estava um pouco frio, mas o bom sinal era que o céu não indicava chuva, e provavelmente a temperatura subiria .

Tudo indo muito bem. Parei em uma padaria para comprar água e continuei. Estava animadíssima. Nenhum cansaço pela noite mal dormida, nem incômodo pelo leve resfriado que me acometia.

O trânsito, começando a se intensificar. Eu já na pista que me levaria para Sete Lagoas - o objetivo do meu primeiro dia de pedalada.

Cheguei rápido em Sete Lagoas. Fiz 81km em cinco horas. Como havia me dito Seu Calimério, o caminho até lá deveria ser mais de descidas que de subidas. Dito e feito. O percurso foi ótimo, apesar de todo ele ter sido realizado por estradas de rodagem movimentadas.

A primeira cidade que cruzei foi Matozinho. Parei no centro para tirar fotos da praça e dizer algumas palavras no gravador. Era fantástico confirmar que a bicicleta pode nos levar a lugares distantes – e não sem considerável velocidade.

Após Matozinho, meu segundo destino, no caminho para Sete Lagoas, era Prudente de Moraes. Antes de deixar a pequena cidade, me certifiquei do caminho. Falei com dois senhores. – E olhem como são as coisas, como tudo pode ser só uma questão de ponto de vista. Cada um me disse:

O primeiro: que a estrada que eu seguiria (MG 424) era bastante perigosa, pelo tráfego intenso de caminhões e a largura da pista (estreita e sem acostamento); além disso alguns trechos estavam em obras de alargamento.
Ele aconselhava que eu andasse uns kilômetros a mais e seguisse pela BR 040.

Segundo: Diferentemente, encorajou-me dizendo que o tráfego não era tão intenso assim e que mesmo sem acostamento, o trecho até Prudente de Morais era curto, algo em torno de 15km. “Vai que dá!”
Confiei na segunda opinião e parti.

Amigos, vocês não sabem o que foi este trecho! Com certeza, o mais perigoso de toda a viagem. Caminhões em alta velocidade o tempo todo e, na maioria, do tipo carreta das grandes. Pista estreita e cheia de curvas perigosas. Por duas vezes tive que entrar com a bicicleta no mato alto da beirada da pista para dar passagem aos caminhões.
Pedalava o tempo todo olhando para trás para ver se alguma condução se aproximava. Quando vinha, tinha que calcular se era possível esta me ultrapassar ou se seria melhor eu me esgueirar na lateral.

Foi um sufoco, mas que, felizmente, passou logo.
Houve até um pequeno incidente onde eu poderia ter me acidentado e comprometido a viagem logo no início:
Nas recorrentes olhadas para trás, não vi a tempo um banco de brita da obra; foi uma questão de milésimos para não capotar feio .
Voltei o rosto quando já estava praticamente em cima das pedras, consegui frear mas não foi o suficiente para evitar o choque. Bati com a roda da frente e fui levemente lançada. Nada, entretanto, que comprometesse a mim, a bicicleta ou a bagagem.

Continuei e cheguei a Prudente de Morais – um tanto cansada dessa vez pelo stress do percurso. Parei na frente de uma casa qualquer, em uma esquina não longe da rodovia; e comi uma banana. Neste momento, liguei para o Beto – precisava compartilhar com ele os desafios encontrados até ali.

Bem, vocês devem se perguntar quem é Beto? Vou apresentá-lo em momento oportuno,
agora preciso chegar em Sete Lagoas.

Mais 20km aproximadamente e estava eu em meu destino final para aquele dia.

A primeira providência foi procurar um restaurante para almoçar. Perguntei para dois guardas municipais onde era o centro da cidade. – Pedi ainda indicações de lugares bons e baratos.

Acabei almoçando em um pequeno restaurante que servia prato-feito ao preço de sete reais; com o suco, o total foi dez. – Não seria ainda em Sete Lagoas que eu comeria o melhor menu da comida mineira.

Barriga cheia, meta cumprida, resolvi descansar um pouco à beira de uma das lagoas da cidade. – Não sei se são realmente sete que existem lá, mas mais de uma, tenho certeza.

Neste momento, enviei alguns torpedos e tirei uma sonequinha enquanto pensava no que tinha feito.
Tinha realmente conseguido, e melhor, com facilidade. Estava feliz, realizada e agora, mais do que nunca, com a certeza de que eu conseguiria cumprir todo o plano da viagem.
A primeira etapa era a que mais me preocupava pois tudo era inédito: era no início que eu saberia das reais condições implicadas em uma viagem de bicicleta.

Enquanto descansava, reparava nas pessoas que conversavam em um quiosque na beira da lagoa.

Uma das minhas maiores preocupações era o assédio masculino e/ou sofrer algum tipo de violência sexual no caminho. Tanto assim que comprei um spray de cola. O que me surpreendeu logo de saída, no entanto – e me deu mais segurança – foi perceber que eu seria, na estrada, muito menos alvo de agressão ou cantadas constrangedoras e muito mais vista como uma pessoa estranha - até certo ponto evitável.
As pessoas me olhavam com curiosidade e ao mesmo tempo reserva.
Aqueles que estavam em volta da lagoa, e também outros que encontrei no percurso até ali, tinham aparentado essa reação.
De certo modo, gostei que fosse assim. Sentia-me mais segura quanto menos interesse eu gerasse.

Energias refeitas, eu tinha agora duas alternativas: ficar e procurar um hotel para passar a noite ou seguir para meu próximo destino: Araçaí. Um municipiozinho com área urbana minúscula, perdido no tempo e no espaço. – Eu ainda não sabia disso.

Até Araçaí eram mais 36km aproximados.
Eram só três da tarde, dava para pedalar mais. E o Beto ainda tinha dito que 81km para o primeiro dia era muito pouco. Ou seja, eu deveria prosseguir. Aproveitar minha disposição e a luz do sol – que ainda demoraria pelo menos mais três horas para acabar.

Resolvi rumar para Araçaí. Perguntei sobre a estrada para aquela cidade, a saída de Sete Lagoas naquela direção e as condições da estrada. Era via sem pavimentação, toda de terra e com muita poeira. Ótimo, pensei; já estrearei meu primeiro trecho de terra logo no primeiro dia da viagem.

Um comentário:

  1. Ana, 81 Km para o primeiro dia é pouco para velocista que está acostumado com estrada pavimentada. Diga ao Beto pra pegar uma estrada com a bicicleta carregada, com cascalho, poeira, areia e subidas pra ele ver o que é bom pra tosse. Típico comentário de ciclista que só pensa em cumprir distância. Esses deviam ficar pedalando em ergométrica. Beijo

    ResponderExcluir