Sertão é por os campos gerais a fora e a dentro,
eles dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucuia...
Lugar sertão se divulga: é onde os pastos
carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas,
sem topar com casa de morador...


Sertão é o sozinho(...)Sertão: é dentro da gente.



segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Carta a meu batedor de Buritizinho


Querido Diego,


Já se passaram dois meses desde que nos conhecemos. Fiquei de te escrever, lembra? Imagino que pela demora você deve ter pensado que eu me esqueci. Não, nunca. Lembro-me de cada pessoa que conheci na viagem, e você foi especial. Você com certeza não sabe dos lugares por onde passei e o quanto andei por essas terras.
Depois de Três Marias, continuei subindo e fui para Buritizeiro, Pirapora, Barra do Guaicuí, Paredão de Minas, Santa Fé, Brasilândia, Riachinho, Arinos, Chapada Gaúcha,...Enfim, se você olhar o mapa vai ver que eu fui bem lá em cima no estado. E depois ainda atravessei para o estado de Goiás, fui até Formosa, peguei um ônibus para Goiás Velho e de lá pedalei para Brasília, onde acabou a viagem. Ao todo foram 2200km pedalados. Nem eu sabia que conseguiria.
Quando saí do Rio não tinha certeza de nada, só sabia que ia tentar. Foi somente depois que pedalei meus primeiros 80 kilômetros, de Belo Horizonte até Sete Lagoas que eu vi que teria coragem e disposição para continuar.
Até um lugar chamado Barra do Rio de Janeiro, distante 50km de Três Marias, às margens do São Francisco, tudo tinha sido só alegria. Estava animada, disposta e curiosa para ver cada novo lugar. Depois desta parada, onde perdi meu gravador e tudo que eu já tinha recordado nele da viagem: nossas conversas, as histórias, as instruções,... fiquei um pouco triste e tive que passar a escrever o que acontecia em caderninhos.
De Barra do Rio de Janeiro fui para Buritizeiro, o trecho mais longo que pedalei durante toda a viagem: 130km. Em Três Marias me disseram que aquela cidade era perigosa e aí comecei a ficar com um pouco de medo. De lá até Santa Fé, o cerrado só aumentava e os lugares ficavam mais ermos. Confesso que este trecho foi o mais desgastante; não só porque o sol era muito forte e não tinha nada pelo caminho, mas porque emocionalmente eu já estava um pouco afetada pela aparência de dificuldade do lugar.
De qualquer modo, foi depois de vencer o trecho até Paredão e Santa Fé que realmente tive a certeza de que eu poderia ir para qualquer lugar que quisesse. Aquele trecho foi minha prova, depois já não sentia mais medo do cerrado, nem de bicho, nem de noite e mesmo de homem - os medos se afrouxaram. Tanto é que depois, até Chapada Gaúcha, a viagem começou a ficar realmente um pouco tediosa de tão à vontade que eu estava no ambiente. Aí foi enfrentar uma nova dificuldade, quando estava indo para um lugar chamado Rio do Ouro – distância longa e em cerradão aberto – que eu voltei a me entusiasmar de novo.
Em Goiás também aconteceu muita coisa: arrumei trabalho em uma pousada por 10 dias, fiz um dinheirinho que deu para ir até Brasília. No caminho, conheci um ciclista que me apresentou a cidade de Pirenópolis (cidade histórica, turística, perto de Brasília) e ainda, em Brasília, passeamos e assisti uma competição de ciclismo da qual ele participava.

Cheguei no Rio no dia 28 de junho. Vim de ônibus. Antes de deixar Brasília, ainda na cidade de Santo Antônio do Descoberto, quando estava no caminho para a capital, me veio a cabeça fazer o percurso de volta até Belo Horizonte só para rever todas as pessoas que me ajudaram nesta façanha. Não estava muito animada com a idéia de voltar para o Rio. Estava tão bem na estrada, me sentindo inteira, viva, cumprindo meu destino. Mas se eu não voltasse, não iria ter paz, precisava (e ainda preciso) acertar algumas coisas da minha vida que estão pendentes. – Claro que poderia jogar tudo para o alto: as coisas sempre se ajeitam de uma forma ou de outra. Mas tem a consciência da gente, né, que fica martelando sobre o que temos que fazer.
Espero, sinceramente, um dia revê-lo. Quero saber o que tem feito, por onde tem andado, se tem caçado muito com a “perrada” e comido tatu, (risos).
Não consegui ir até o posto novamente para procurar a Jaque e tirar uma foto com ela, como havia lhe falado que faria. – Queria ver mesmo se somos parecidas (risos). De qualquer modo, lhe envio aquelas fotos que tirei em Buritizinho. Se for possível, mostre-as ao pessoal que estava lá naquele dia. Ah, e se for mais possível ainda, responda-me esta carta. Ficarei muito feliz de receber notícias suas.



Da garota sozinha de bicicleta,
Ana Luísa 08/08/11

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