Sertão é por os campos gerais a fora e a dentro,
eles dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucuia...
Lugar sertão se divulga: é onde os pastos
carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas,
sem topar com casa de morador...


Sertão é o sozinho(...)Sertão: é dentro da gente.



terça-feira, 30 de agosto de 2011

Araçaí


Cheguei na cidade de Araçaí eram quase seis da tarde. Para minha surpresa, Araçaí era muito menor do que imaginava. – E mais antiga também. Esperava uma cidade nos moldes daquelas por que tinha passado, algo como Matozinho, que apesar de pequena, tinha lá o seu agito comercial: uma vida urbana.


Não, Araçaí é uma vila rural. Possui não mais que três mil habitantes registrados como eleitores da comarca, mas com toda certeza no município não vivem nem mil pessoas. É um lugar estagnado, o arcaico ainda é o presente do local.


Entro na “vila” já com o objetivo de encontrar pouso. Informam-me que só há uma pousada na cidade. Indicam o caminho. Quando encontro a casa, que é no estilo de campo, espécie de pequena chácara, vejo uma placa no portão de entrada: “Para hospedagem depois de 15h ligar para (número de telefone) ou procurar Cristina à rua tal e tal.

Depois de me certificar de que não havia ninguém na pousada, saio à procura de Cristina. Encontro sua casa, chamo, um garotinho vem me atender e diz que ela não está. Diz ainda para que eu volte em uma hora.


O que fazer senão esperar? Lembro-me de uma padaria no centro e toco para lá, para dar o tempo da volta de Cristina. Entretanto, neste percurso resolvo parar para conversar com um rapaz que se encontra alguns metros à frente. Conto minha história, pergunto sobre a pousada e ele me informa que a diária lá deverá ser algo em torno de 40 reais. Acho um absurdo, afinal não há nada em Araçaí. É uma cidade esquecida.


Conversa vai, conversa vem, ele me diz que o dono da pousada mora em Cordisburgo e que pouco vai até lá, que Cristina trabalha como caseira do local (mas algo no estilo diarista) e que, em último caso, se eu não conseguisse falar com ela, para procurá-lo: ele poderia me hospedar em sua casa - mas não sem antes consultar sua esposa.
Feliz com a oferta, entendi que, de qualquer forma, não dormiria na rua em minha primeira noite de viagem.


Fui até a padaria, lanchei yogurte e pão com mortadela. Enquanto comia, uns senhores no estilo donos do pedaço arribaram, muito falantes e claramente à vontade. Eu procurava sinal para enviar mensagens do celular. Um deles puxou conversa porque viu que eu era a dona daquela “bicicleta estranha” à porta da padaria.


Acharam espetacular eu ter saído de Belo Horizonte e chegado ali.
Eles eram três, e pelo menos dois não moravam em Araçaí, tinham fazenda no município. Praticamente todos ofereceram-me pouso em suas residências, mas declinei informando que esperava para saber da possibilidade de me hospedar na pousada, ou ainda na casa de seu Messias – o rapaz com quem tinha conversado antes.

Ainda assim, disseram que se eu quisesse, estariam à disposição.

Confesso que não confiei por completo naquelas ofertas. Não por achar que eram da boca-para-fora, mas porque a coisa me pareceu pouco generosa. Senti que a intenção era menos por mim, enquanto uma viajante de bicicleta, e mais pelo fato de ser uma mulher sozinha. Algo me disse que segundas intenções rondavam aquelas ofertas – mesmo que nada acontecesse.


Despedi-me dos senhores quando já passava das sete. Voltei à casa de Cristina que me informou das condições da pousada.

Valor: 50,00 reais a suíte, 40,00 um quarto de casal com banheiro compartilhado e 35,00 o quarto mais simples da pousada (que ela mesma não recomendava); e detalhe: tudo sem café da manhã.

Não gostei dos preços, achei injusto para o local. Agradeci a atenção da moça e fui procurar Messias.

(Messias é barbeiro e tem uma salinha ao lado da casa de sua sogra, onde trabalha)

Encontrei-o no trabalho, onde disse que estaria. Terminava de cortar o cabelo de um rapaz e ainda tinha um outro a espera. Fiquei proseando com ele e os clientes. Pedi informação sobre o caminho para Cordisburgo e falamos de bicicleta – afinal, todo mundo tem uma história para contar sobre pedaladas, e ali não era diferente: Messias contava sobre o dia em que foi até Curvelo no dia de São Geraldo pagando promessa. Ele e uns amigos tinham ido e voltado no mesmo dia. “Quase morreram”, segundo ele, porque não tinham preparo físico e nem estavam com um bom equipamento.

Messias achou mesmo que o preço da pousada era um absurdo e que era melhor eu ficar em sua casa. Disse que já havia conversado com a esposa. Estava tudo certo.

Sua esposa, Maristela, me recebeu muito cordialmente, me indicou onde poderia deixar a bicicleta, perguntou se eu queria tomar um banho ou lanchar primeiro. Logo, chegaram seus filhos, Raíssa e Michael, com um colega – adolescentes que estudam em Sete Lagoas. Lanchei com eles enquanto ouvia o amigo contar do tatu que certo dia encontraram na estrada: pensaram em passar por cima com o carro para matar e levar como caça, etc. – Meninos muito engraçados os filhos de Maristela e o colega. Aprazia-me ouvir as histórias e o sotaque deles.

Lanchei e em seguida fui tomar banho. Estreei a toalha de alta absorção que levava. Estava cansada – mas feliz.
Terminado o banho, Maristela me chama para jantar: um mexido muito apimentado com arroz. Estava bom. Sua filha, Raíssa, comia pão de queijo com leite. E dizia detestar ovo.


Cama arrumada na sala. Detive-me ainda um tempo com a família no quarto de Raíssa conversando e vendo um vídeo que ela abria no yotube: era o de um bebê que ria incessantemente enquanto alguém conversava com ele.

Noite virada e eu recomposta por um bom sono.
Dia claro, seis da manhã e era hora de partir rumo a Cordisburgo. – Naquele dia eu ainda chegaria à Curvelo.
Tomei café: pão-de- queijo, café, leite e pão francês.
Fizeram-me ainda levar alguns pães- de-queijo extra para a viagem. – Carinho de mineiro que só crescia.

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