Sertão é por os campos gerais a fora e a dentro,
eles dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucuia...
Lugar sertão se divulga: é onde os pastos
carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas,
sem topar com casa de morador...


Sertão é o sozinho(...)Sertão: é dentro da gente.



terça-feira, 22 de janeiro de 2013

22/05 - Barra do Guaicui


 No Guararavacã do Guaicuí, Riobaldo vive dias de descanso ao lado de Diadorim e reconhece o grande amor pelo amigo:


Lugar perto da Guararavacã do Guaicuí: Tapera Nhã, nome
que chamava-se. Ali era bom? Sossegava. Mas, tem horas em que
me pergunto: se melhor não seja a gente tivesse de sair nunca do
sertão. Ali era bonito, sim senhor. Não se tinha perigos em vista,
não se carecia de fazer nada. 
(...) Dormi, sestas inteiras, por minha vida. Gavião dava gritos, até o dia muito se esquentar. Aí então aquelas fileiras de reses caminhavam para a beira do rio, enchiam a praia, parados, ou refrescavam dentro d’água. Às vezes chegavam a nado até em cima duma ilha comprida, onde o capim era lindo verdejo. O que é de paz, cresce por si: de ouvir boi berrando à forra, me vinha idéia de tudo só ser o passado no futuro. Imaginei esses sonhos.  
(...)Dormi, nos ventos. Quando acordei, não cri: tudo o que é bonito é absurdo – Deus estável. Ouro e prata que Diadorim aparecia ali, a uns dois passos de mim, me vigiava. 
Sério, quieto, feito ele mesmo, só igual a ele mesmo nesta vida. Tinha notado minha idéia de fugir, tinha me rastreado, me encontrado. Não sorriu, não falou nada. Eu também não falei. O calor do dia abrandava. Naqueles olhos e tanto de Diadorim, o verde mudava sempre, como a água de todos os rios em seus lugares ensombrados. Aquele verde, arenoso, mas tão moço, tinha muita velhice, muita velhice, querendo me contar coisas que a idéia da gente não dá para se entender – e acho que é por  isso que a gente morre. De Diadorim ter vindo, e ficar esbarrado ali, esperando meu acordar e me vendo meu dormir, era engraçado, era para se dar feliz risada. Não dei. Nem pude nem quis. Apanhei foi o silêncio dum sentimento, feito um decreto: – Que você em sua vida toda por diante, tem de ficar para mim, Riobaldo, pegado em mim, sempre!... – que era como se Diadorim estivesse dizendo. Montamos, viemos voltando. E, digo ao senhor como foi que eu gostava de Diadorim: que foi que, em hora nenhuma, vez nenhuma, eu nunca tive vontade de rir dele.
(...) Aquele lugar, o ar. Primeiro, fiquei sabendo que gostava de Diadorim – de amor mesmo amor, mal encoberto em amizade.


                                                                      ...



Guaicuí fica a 30km de Buritizeiro e, aproximadamente, 25 de Pirapora. Hoje é uma cidadezinha muito pacata, mas que no passado fora um importante entreposto comercial devido à sua localização na foz do Rio das Velhas, um dos mais importantes afluentes do São Francisco.
                                       
                                                                     ...

Desta vez não saí tão cedo para pedalar pois o trecho a percorrer até lá era curto, além de completamente plano e asfaltado. Não havia mistérios: bastava voltar à 365 e seguir no sentido norte. Não demorei mais do que uma hora e meia.

Meu interesse ali era o grande monumento construído por homens e pela natureza na margem do Rio das Velhas: uma igreja datada de 1635, toda de pedra, feita por escravos, não concluída e sobre a qual, no lugar em que deveria ser a torre, uma gameleira enorme cresceu dando à igreja um aspecto meio mágico. Eu, que nunca tinha estado ali e tampouco conhecia o passado da rota do São Francisco, ficava a imaginar a vida, tocada pela força daquele cenário:  via embarcações de madeira descendo e subindo o rio, sacos de algodão com grãos, peles, sal; barris de querosene,...vozes gritando na margem, tropeiros, pescadores ...Via a brisa que se enroscava nos galhos da gameleira, a umidade das pedras, o rio manso, o silêncio vegetal das raízes infiltradas nas ruínas...O tempo antigo vivo de novo.  







Cheguei de Guaicuí por volta de três da tarde. O dia terminou na mesa, com o tradicional café com queijo mineiro, na companhia de Rômulo, Edna e simpáticos amigos do casal, que me presentearam com uma lanterna – cinética – e um isqueiro, provisões necessárias para meu tipo de viagem as quais havia esquecido de levar.   

2 comentários:

  1. Ana, cheguei em Guaicuí tarde da noite, depois de atravessar um dos trechos mais sofridos da viagem, vindo de Várzea da Palma. Mas valeu cada pedalada encontrar aquela igreja de pé, entranhada na gameleira centenária. Depois segui até o encontro do Rio das Velhas com o São Francisco, uns dois quilômetros abaixo. De lá segui para Pirapora e voltei, no sentido de Ibiaí e Ponto Chique, seguindo o curso. Mas essa coisa de viajar sem lanterna é coisa de gente avoada ou muito corajosa. Acho que no seu caso as duas coisas!

    ResponderExcluir
  2. A sua história da chegada em Barra do Guaicui na boca da madrugada é quase desesperadora. Em seu lugar, eu sinceramente não sei como teria procedido. De noite no mato, gente dando tiro por medo de ti, homem com lampião que aparece do nada, te dá orientação e desaparece...Não sei mesmo o que teria feito. Acho que colocado em ação o plano B que eu tinha para noites no mato sem barraca: subir em uma árvore e esperar o dia amanhecer para continuar.
    A coisa de viajar sem lanterna e fogo foi puro descuido. Como eu não cogitava de forma alguma pedalar a noite, não atinei na utilidade de carregar uma lanterna.

    ResponderExcluir