Seis da
manhã. O dia está nublado. Tenho minhas tralhas já arrumadas, espero Nem
levantar para seguir de canoa até o
porto da Sambaíba onde tomarei a estrada para Buritizeiro. Bebo um café pingado
e novamente como bolachas Maria. João
Lúcio e Luís dizem-se tristes com minha partida, falam que a Barra vai perder a
graça: “A gente devia é ter ido para as bandas do Rio Pardo, para conhecer
mulher como você! Meu coração vai contigo...”; falam João Lúcio e Luís. – São muito teatrais.
No momento
de deixar a Barra, uma foto com todos de lembrança. Nem desce a barranca para embarcar a
bicicleta, Luís lamenta: “Liquinha me dá o Rivotril, faz favor!”. Um último
abraço em cada um, depois o pulo para dentro da canoa. João Lúcio se apressa,
tira do bolso uma nota de cinquenta reais e pede para eu pegar, “é para ajudar
na viagem”.
Partimos. O
São Francisco está enevoado pela cerração da água na superfície. Sinto-me
naqueles cenários de selva onde o vapor, como gelo seco em palco, materializa o
mistério tornando o presente suspeito. Vamos quietos. Nem desce comigo
aproximadamente dois kilômetros de rio. Não sei em que tempo estou: a manhã é
jurássica. De repente uma pequena clareira surge na margem esquerda, Nem diminui a velocidade e encosta. Chegamos nas terras da Sambaíba. Há um homem ali, com traços
asiáticos; parecia que nos esperava.
Este homem
me dá instruções de como chegar em Buritizeiro margeando o rio, mas previne que
não será fácil: “É complicado até para quem mora aqui. Você vai perguntando, se
ver alguém na estrada; para não se perder”.
As
instruções de direção no meio rural são um tanto difíceis para quem é da cidade
pois, visto que não se trata de um espaço racionalizado tal qual o meio urbano,
as referências, em geral, correspondem a marcos de vegetação, do curso dos
rios, de casas de sitiantes e outras pequenas interferências humanas como:
mata-burros, tipos de cerca e agricultura. É raro ouvir esquerda/direita ou
menção a placas de sinalização. A coisa é mais ou menos assim: vai para o rumo de cá, depois vira para lá,
passa um número X de mata-burros, vai ter um rio, uma pontezinha, uma plantação
Y, um “gaio”, um baixadão, etc. ... Por aí vai. Fica a impressão de que o senso
de orientação nesses ambientes é exclusivamente prático – como comida feita “a olho”, para a qual não existe a
medida exata dos ingredientes, mas aproximações que dependem sobretudo do
hábito de quem prepara – entretanto,
mesmo que o movimento do corpo pelo espaço seja o condicionante do conhecimento
sobre o caminho (um conhecimento cinestésico), existe uma precisão a partir de certos
elementos significativos. O problema é que nós, habitantes das cidades, não estamos
acostumados a lógica desses espaços, o que nos leva a pensar que as instruções dadas não são
suficientes para garantir um destino correto. Lembro-me de sempre ter dúvidas
quando chegava num mata-burro ou porteira de que se tratava exatamente do que
tinham indicado. No fim das contas, o
que sentia era a falta de símbolos (palavras e números) na paisagem; seguia um
mapa imaginário feito de plantas, madeira, água e ferro que deveriam combinar
com aquilo que via pelo caminho.
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